Chasin, José
José Chasin (São Paulo, 6 de janeiro de 1937 – Belo Horizonte, 31 de dezembro de 1998) foi filósofo e professor universitário marxista brasileiro. Como acadêmico, exerceu influência em áreas específicas do campo da filosofia, como ontologia e teoria do conhecimento, tendo Karl Marx e György Lukács como referências fundamentais. Além disso, ao longo de sua vida como pesquisador da realidade brasileira, formulou a noção de via colonial de entificação do capitalismo. Ficou conhecido também pela tese sobre a determinação ontonegativa da politicidade, a partir de pesquisa da obra de K. Marx.
As obras mais famosas de Chasin são A miséria brasileira: do golpe militar à crise social (1964-1989), O integralismo de Plínio Salgado: forma de regressividade no capitalismo híper-tardio e Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica, mas é impossível olvidar textos como Ad Hominem: rota e prospectiva de um projeto marxista, O futuro ausente: para a crítica da política e o resgate da emancipação humana e Marx: a determinação ontonegativa da politicidade.
Infância e juventude
Chasin nasceu em 1937, na cidade de São Paulo. Seus pais eram imigrantes de origem judaica que se estabeleceram na Mooca, bairro onde viviam predominantemente trabalhadores à época.
Ainda na primeira infância, Chasin confrontou-se com um grave reumatismo que o forçou a jazer deitado por um ano. Nessa difícil situação, ele encontrou refúgio na literatura. Por isso, nasceu nele desde cedo o interesse pelos livros, os quais comprava sempre que lhe sobrava algum dinheiro. Durante a adolescência, Chasin teve contato não só com os grandes autores da literatura brasileira, mas também com os mestres da literatura universal: Dostoiévski, Tolstói, Balzac e outros. Tentou, nesse período, desenvolver veia poética, chegando a compor alguns poemas livres em que transparecia um niilismo acentuado, porém nunca conseguiu concretizá-la.
Chasin frequentou uma escola judaica durante o primário, depois ingressou em uma escola pública e concluiu o atual ensino médio em uma escola estadual de referência. Na adolescência, seus interesses voltavam-se às discussões na “ordem do dia”. Como exemplo, pode-se citar um grande debate organizado por ele nos anos 1950, quando ainda cursava o antigo colegial, que consistiu de uma série de palestras sobre amor livre, em conjunto com seus grandes amigos da época, Luiz Weiss e Vladimir Herzog.
Vida universitária
Em 1959, Chasin ingressou no curso de filosofia da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, localizada à época na Rua Maria Antônia, depois de ter sido profundamente impactado pelas obras de Bertrand Russell. O agnosticismo do teórico britânico e o interesse de Chasin pelas relações humanas provavelmente foram o motivo de ele ter se decidido pela filosofia. Porém, ainda nessa época, Chasin não havia tido contato com a obra marxiana ou com o marxismo, pois àquela altura Marx não era uma matéria presente nos cursos de filosofia. Ainda assim, o futuro intelectual marxista foi aluno de professores notáveis durante a sua graduação, concluída em 1962, como João Cruz Costa, José Arthur Giannotti, Gilles-Gaston Granger e Michel Debrun .
A namorada de Chasin, Hanna Profis, figurou como importante via para que ele estabelecesse contato com agrupamentos de viés marxista da época. Hanna cursava ciências sociais também na USP e atuava na Juventude Comunista. Os dois passaram a frequentar a Biblioteca Municipal Mário de Andrade, onde conheceram Maurício Tragtenberg e um importante grupo de intelectuais que utilizavam o local para estudar, dentre muitos temas, textos em idiomas estrangeiros. Assim, Hanna e Chasin tiveram a oportunidade de estabelecer um intercâmbio intelectual riquíssimo, ainda na condição de estudantes, e de manter contato com um sem-número de livros, os quais não tinham condições financeiras de adquirir.
Segundo relatos do próprio Chasin, o seu primeiro contato com Marx se deu no saguão da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, que era, de acordo com . ele, o palco dos grandes debates e discussões da faculdade. Nessa época, Chasin também se vinculou ao movimento estudantil e presenciou de perto a gênese e o desenvolvimento do famoso grupo de estudos sobre Marx (1959-63) em que atuaram J. A. Giannotti, Fernando Henrique Cardoso, Ruth Cardoso, Francisco Weffort, Robert Schwarz e outros. Importante ressaltar que desse grupo de estudos surgiram o Seminário Marx e as leituras d’O capital sob viés predominantemente epistemológico, que visavam à crítica do ensaísmo nas vozes de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, e o achado de uma suposta questão de método na chamada obra econômica de Marx. De tal esforço teórico resultaram, dentre outras, as teorias do populismo, do autoritarismo, da dependência e da marginalidade, que, tendo alcançado enorme influência, foram posteriormente denominadas de analítica paulista e submetidas a dura crítica por Chasin.
Ainda na época de sua graduação, Chasin se vinculou ao PCB, contudo, desde aquele momento inicial, sua relação com o Partidão foi marcada por uma série de conflitos nos âmbitos prático e teórico. Sabe-se que Chasin sempre questionou as propostas do PCB para o movimento estudantil e que também “condenava a posição de levar a programática do Partido para o campo da arte”. Essas atitudes revelam, por um lado os avanços de Chasin nos estudos de Lukács, tendo em vista o posicionamento do filósofo húngaro diante da “politização da arte”. Por outro lado, demonstra a proximidade de Chasin e Caio Prado Jr., que também apresentava uma postura crítica em relação a diversos temas tratados pelo PCB.
Foi nesse período que Chasin tornou-se representante da União Nacional dos Estudantes (UNE) durante a Campanha pela Defesa da Escola Pública, assumindo o cargo de vice-presidente, enquanto Florestan Fernandes exercia a presidência. Tal evento serve como mais um elemento para a composição do quadro de alijamento que ele sofreu no meio acadêmico da Faculdade de Filosofia da USP. Apesar de ter acompanhado de perto a organização do Seminário Marx e as leituras de cunho epistemológico d’O capital, Chasin não participou desse grupo de estudos – e isso não porque lhe faltassem capacidades intelectuais para tanto, mas pelo seu vínculo com o movimento estudantil. Sua atuação, porém, não se dava no âmbito de uma mera agitação, pois, segundo pensava, o debate ideológico era vital para que o movimento estudantil se constituísse “no elemento mais ágil e ativo da vanguarda ideológica”, em estreito contato com os trabalhadores e o povo em geral.Sua atuação junto a tal movimento era vista com maus olhos pelos professores da Maria Antônia, pois estes reproduziam um contexto pedagógico verticalizado, no qual a autoridade docente era máxima e as potencialidades de manifestação discente eram mínimas. Certa vez, Cruz Costa, professor de Chasin na graduação, disse-lhe: “Você é muito inteligente, você é um rapaz de grande capacidade, mas aqui você não vai ter futuro, em função de sua militância política no movimento estudantil e de sua postura em sala de aula”.
O mesmo evento também exemplifica, mais uma vez, a relação conflituosa entre Chasin e o Partidão. Foram as percepções da decadência do marxismo vulgar do PCB – nas formas da “politização da arte”, da necessidade de uma revolução burguesa para se alcançar o estágio do socialismo ou da identificação dos trabalhadores rurais brasileiros com os camponeses de sociedades feudais, entre outros –, além da decorrente necessidade de se construírem teses capazes de compreender realmente as especificidades nacionais, que aproximaram Chasin de Caio Prado Jr. e da Revista Brasiliense, à qual se vinculou no início dos anos 1960. Desde o momento em que ingressou na organização até a época de sua saída, depois afirmação insensata de Prestes, em 1963, de que os comunistas estavam no poder, embora não no governo, Chasin assumiu uma postura crítica às formações pseudossocialistas e, em particular, ao stalinismo. Contudo, nunca optou pela covardia daqueles que apenas assistem ao desenrolar histórico na função de espectadores, sempre compreendendo as necessidades de ser e ir sendo parte constitutivamente ativa do processo. Em resumo, se a sua atuação prática lhe estorvou os caminhos na academia, também o indispôs entre aqueles que se diziam de esquerda, pois o seu compromisso era com a apreensão da realidade mesma e com a emancipação humana — não com o carreirismo acadêmico, que, segundo ele próprio, converte a finalidade do professor em mero meio para angariar lucro e notoriedade –, tampouco com o carreirismo partidário, que inevitavelmente se esquece do destino da revolução social e transforma a tática, o imediatismo, no único horizonte passível de ser alcançado.
Nesse mesmo período, coordenou pesquisa de fôlego sobre o I Congresso Nacional dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas (Belo Horizonte, novembro de 1961), o que lhe rendeu honrosa menção em A revolução brasileira, publicada por Prado Jr. em 1966.
O golpe de estado de 1964 e a ruptura de um projeto
Logo após concluir a graduação, Chasin foi convidado por seu amigo M. Tragtenberg para lecionar na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São José do Rio Preto (que veio a se tornar um campus da Unesp, quando de sua criação, em 1976). A instituição ainda estava sendo estruturada à época e, a despeito da opinião dos docentes da USP, tudo indicava que Chasin daria início a uma carreira promissora como professor universitário. Porém, o golpe de estado de 1964 deu à luz mais uma fase bonapartista de dominação da burguesia e essa intervenção ditatorial abortou a continuidade do projeto.
Com a gênese da repressão, Chasin e Tragtenberg tiveram de ir rapidamente à secretaria da instituição pela qual seriam contratados e destruir os documentos que deixaram ali pouco antes, para evitar a prisão ou outras consequências negativas. Contudo, a situação estava longe de ser a única mácula que a ditadura militar brasileira relegou a Chasin e a sua família.
Diante do episódio em São José do Rio Preto, não restavam alternativas à família Chasin senão sair de seu domicílio com o objetivo de escapar de uma possível detenção. Chasin, Hanna e o filho de um ano e meio deram início a uma sequência de mudanças repentinas e exaustivas para que a repressão ditatorial não os alcançasse. Além dos constantes deslocamentos, Chasin permaneceu desempregado por longo período – a família só conseguiu sobreviver devido às contribuições de parentes. No final de 1964, Hanna deu à luz o segundo filho do casal, em meio a grande desgaste físico e emocional.
Confrontado com esse quadro deveras sombrio, Chasin não abandonou a ideia de fomentar produções teóricas de rigor para contribuir para que a esquerda brasileira fosse capaz de abandonar o marxismo vulgar e renascer das cinzas de sua derrota pelas mãos do bonapartismo. Então, dedicou-se “à tarefa de estudar e pesquisar como nunca”[1], pois, segundo ele próprio, “manter a lucidez é um ato revolucionário”. Mas, ao mesmo tempo, ele também precisava garantir a situação financeira de sua família. Por isso, começou a trabalhar na área de publicidade, “um campo completamente hostil a tudo aquilo que ele gostaria de ter realizado”. Foi essa, porém, a maneira pela qual Chasin, além de garantir a sobrevivência da família, conseguiu formar a própria biblioteca e financiar o acesso aos materiais que constituíram as fontes de sua alentada tese de doutorado.
Do empenho de manter a lucidez e de estudar incessantemente nasceu a editora Senzala. Ali, Chasin deu início aos seus esforços de construir um ideário verdadeiramente marxista no Brasil, um “autêntico renascimento do marxismo” que visava a suprir a carência teórica da esquerda nacional e a formação de subjetividades capazes de apreender a realidade em toda a sua complexa malha causal, atentando-se, com rigor teórico-científico, para as suas determinações reflexivas fundamentais. Por aquela editora Chasin publicou Marxismo ou existencialismo, de Lukács, em 1967 (com tradução de José Carlos Bruni). Nessa época, ele trocou cartas com o filósofo húngaro e também tentou publicar o seu História e consciência de classe (originalmente publicado em 1923), mas Lukács não autorizou a nova edição, sob a justificativa de que o conteúdo do texto não era compatível com as suas conclusões mais recentes acerca da obra de Marx e do marxismo, acrescentando que só permitiria uma nova publicação daquele livro depois de escrever um prefácio explicando seus novos posicionamentos. Lembre-se, por fim, que a editora Senzala publicou inúmeros títulos relevantes, como Navalha na carne (Plínio Marcos, 1967) e Hai-kais (Millôr Fernandes, 1968).
Chasin trabalhou em período integral à frente da editora Senzala até que o projeto veio à falência, em 1968. Com o fim desse empreendimento pioneiro, viu-se forçado a voltar a trabalhar na área publicitária, ingressando na farmacêutica Ciba-Geigy, onde ficou por 15 anos.
A flexibilidade de horário que Chasin conquistou como publicitário lhe permitiu estruturar uma rotina de estudos rigorosa e adquirir diversos livros e materiais de várias ordens que o ajudariam em sua tese doutoral sobre o integralismo de Plínio Salgado, porém, isso não foi o suficiente para mitigar o sofrimento e a frustração que essa “vida dupla”, em suas próprias palavras, engendrou em seu âmago.
Como parte do empenho na resistência à ditadura, em 1970 Chasin se candidatou ao cargo de deputado federal pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido da oposição consentida durante a vigência do bipartidarismo. Sua plataforma política retratava a necessidade de opor-se ao projeto econômico adotado pelos militares. Tal posicionamento veio a se consolidar anos depois e foi exposto no artigo “Conquistar a democracia pela base”, publicado pela Revista Temas de Ciências Humanas em 1979. Sua candidatura foi derrotada em um contexto em que os oposicionistas pregavam o voto nulo, acrescido o fato de que o PCB, na clandestinidade, havia prometido apoio que não se efetivou.
A tese doutoral
Nessa altura, resta evidenciado que compreender o Brasil ocupou a mente de Chasin desde a sua graduação na Faculdade de Filosofia da USP. O mote “manter a lucidez é um ato revolucionário”, a percepção de que para transformar o mundo faz-se necessário conhecê-lo e o contato com a miséria teórica do marxismo vulgar, por um lado, e com o viés epistemológico do marxismo adstringido, por outro, engendraram em Chasin o fôlego para criar as bases de um “autêntico renascimento do marxismo” no Brasil. Mais do que um desejo particular que, quando finalizado, preencheria sua vontade individual, esse projeto era (e ainda é) um pressuposto para o reavivamento da esquerda nacional e também para projetar a emancipação humana no horizonte teórico e prático.
Com tais elementos em mente, e inspirado por A destruição da razão, obra na qual G. Lukács discorreu sobre o reacionarismo alemão e o irracionalismo como fenômeno ideológico do período imperialista, ressaltando a relação indissociável entre ambos, Chasin iniciou uma pesquisa de fôlego e intenso rigor acerca do integralismo pliniano, que consistiu na análise imanente de toda a obra produzida por Plínio Salgado então disponível. No prefácio à referida obra, Chasin foi enfático ao afirmar a necessidade de compreender a gênese, a determinação e a função sociais do conservadorismo brasileiro. Nesse mister, Chasin rastreou os discursos de Plínio Salgado como deputado e artigos em jornais, abarcando a integralidade de sua obra escrita — romances incluídos. O resultado foi uma tese de doutorado extremamente inovadora e polêmica, defendida em 1977 na Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp-SP), intitulada O integralismo de Plínio Salgado: forma de regressividade no capitalismo híper-tardio. A tese foi posteriormente publicada em livro, que teve duas edições: a primeira no início de 1978, pela Livraria Editora Ciências Humanas de São Paulo, e a segunda, uma coedição de Estudos e Edições Ad Hominem e UNA Editoria, em 1999.
Dentre as inovações apresentadas nesse trabalho, vale mencionar a ruptura radical com a análise tradicional do integralismo, que reduz esse complexo ideológico a uma cópia mimética do fascismo europeu. Por meio do rastreamento de toda a obra pliniana, Chasin demonstrou que o discurso integralista tem características completamente díspares daquelas do nazi-fascista, ainda que sejam inegáveis as semelhanças no plano aparente. Por exemplo: o nazi-fascismo tem um elemento rácico como uma dentre muitas justificativas para a concretização de um expansionismo imperialista mobilizador para a guerra, elementos que só puderam emergir de uma sociedade atrasada na disputa por territórios coloniais capazes de respaldar uma produção industrial também atrasada; por sua vez, no integralismo de Plínio Salgado não há nem racismo nem uma postura imperialista orientada para a conquista territorial agressiva e para o desenvolvimento industrial. Pelo contrário, apresenta-se ali uma dimensão de regressividade a um passado brasileiro idílico e uma postura anticapitalista romântica, ambas as determinações típicas de uma sociedade engendrada pelo empreendimento colonizador e pela lida com a propriedade rural.
A questão de compreender o conservadorismo brasileiro era tão cara a Chasin que ele insistia em um projeto acadêmico coletivo, no qual diversas monografias levariam os integralismos de Gustavo Barroso, Miguel Reale, Olbiano de Melo, Severino Sombra e outros expoentes aos limites da análise imanente. Somente depois de um trabalho de tal vulto seria possível realizar a síntese do movimento integralista e de suas visões de mundo. O trabalho se completaria com uma pesquisa sobre outros representantes do pensamento conservador, de correntes diversas da integralista. Muitas dessas monografias se efetivaram posteriormente, tanto por pesquisa direta dos alunos de Chasin como, ainda, pelos alunos destes. Contudo, nada disso aconteceu da maneira que Chasin, esperava, devido a perseguições sistemáticas das quais foi vítima enquanto ainda lecionava na Fesp-SP.
A Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp-SP)
Chasin tornou-se professor da Fesp-SP em 1972, cinco anos antes de defender a sua tese de doutorado. No primeiro ano do curso, ministrava a disciplina de metodologia e costumava dar início às atividades reflexivas com o texto A apologia de Sócrates, destinando fundamental importância à questão da liberdade do indivíduo. No quarto ano, ministrava a disciplina de filosofia social e se aprofundava nas discussões sobre a obra de Marx e Lukács. Devido ao seu amplo domínio do conteúdo filosófico e a sua capacidade de fomentar a prática reflexiva nos estudantes, Chasin frequentemente via-se em uma sala de aula lotada (inclusive por pessoas de outras instituições que acorriam às aulas por indicação de alunos regulares, como foram os casos de Ester Vaisman e Ricardo Antunes).
Em 1973, Chasin já realizava a crítica das teorias uspianas do populismo e da dependência, denunciando o seu ecletismo metodológico e a sua fundamentação em um tipo ideal formulado pela consciência autônoma que o força sobre a realidade. Tais considerações de ordem crítica lhe renderam vários adversários e rivais fora e dentro da academia.
Ainda se vivia, contudo, sob o bonapartismo no Brasil; e em uma de suas fases mais violentas. A repressão, que demorou algum tempo a cair sobre a Fesp-SP, acabou por paralisar o intercâmbio intelectual da instituição, pejada de conservadores e agentes infiltrados da ditadura, como era o caso de Vicente Unzer de Almeida, um alto executivo da Mercedes-Benz e professor daquela instituição à época, e de Luiz Brum, aluno da instituição e policial, que representava um papel importante para a extrema-direita. Nelson Brissac, hoje em dia intelectual vinculado ao pensamento de Jean Baudrillard, foi colaborador da ditadura infiltrado na Ala Vermelha durante o período em que estudava na Fesp-SP, tendo presenciado a tortura de inúmeros colegas denunciados por ele mesmo.
Esse cenário, somado ao carisma e à competência intelectual de Chasin, acabou por prejudicá-lo imensamente. Enquanto ele reunia esforços para implementar um curso de pós-graduação na Fesp-SP, cujo objetivo era o de fomentar a pesquisa sobre o pensamento conservador brasileiro, seus inimigos políticos e profissionais construíram uma narrativa falsa em que Chasin, durante uma manifestação estudantil, teria subido em uma mesa e proposto a ocupação do prédio pelos estudantes. Com respaldo jurídico no Ato Institucional nº 5 e no Decreto-Lei 477, Chasin foi expulso da instituição em 1976. É importante salientar que de tal episódio não participaram apenas os colaboradores da ditadura bonapartista, mas também diversos professores vinculados à esquerda política. Muitos deles, que estavam amedrontados com a repressão, acabaram aliciando depoentes para incriminar Chasin; outros, igualmente acovardados, abstiveram-se.
Além de ter sido demitido sumariamente, Chasin viu-se impedido de defender a sua tese doutoral, devido a alegações inverídicas por parte de Vicente Unzer de Almeida. Consequentemente, houve intensa batalha jurídico-administrativa, vencida por Chasin, o que lhe proporcionou o direito de defender sua tese um ano mais tarde, em 1977, na própria Fesp-SP. A banca foi composta pelo orientador, Maurício Tragtenberg, e pelos professores Antonio Candido, Reinaldo Carneiro Xavier, Carlos Guilherme Mota e Braz José de Araújo, que reconheceram o brilhantismo da tese. Segundo relatos, o salão da Fesp-SP estava lotado e o evento marcou uma “volta por cima” sem precedentes por parte de Chasin, que recebeu uma placa de prata dos estudantes da instituição.
A perseguição, porém, não cessou. Apesar de todos os esforços empreendidos por Tragtenberg para que Chasin ingressasse na Faculdade de Educação da Unicamp, a articulação de pessoas como Vicente Unzer de Almeida e Nelson Brissac envenenara a maioria dos espaços para impedi-lo de voltar a lecionar. Nem mesmo os seus antigos colegas (Francisco Weffort e outros) o ajudaram – ao contrário, boicotaram-no, impedindo-o de retornar à USP como discente para fins de doutoramento no início dos anos setenta.
Registre-se, ainda, sobre este período, que em 1977 Chasin fundou, ao lado de Nelson Werneck Sodré, entre outros, a revista Temas de Ciências Humanas.
A viagem a Moçambique
Desempregado devido à perseguição da direita, por um lado, e ao boicote da esquerda, por outro, Chasin começou a ministrar cursos livres sobre a dimensão ontológica da obra marxiana. Os cursos eram organizados por seus colaboradores, jovens intelectuais formados por ele e que se ordenavam à sua volta desde a época em que lecionava na Fesp-SP. Mas, apesar de não ter voltado à “vida dupla” que fora obrigado a exercer quando trabalhava na indústria farmacêutica, Chasin precisava de uma atividade capaz de sustentar a sua família – algo que os cursos livres, infelizmente, não podiam fazer por muito tempo.
É importante dizer que, àquela altura, o grupo de colaboradores de Chasin, ou seja, o coletivo formado por seus fiéis amigos e alunos, dentre os quais se destacavam Ester Vaisman e Antonio Rago Filho, figurava um núcleo de intercâmbio intelectual e de atuação prática. Já naquela época, Chasin mantinha uma proximidade intelectual e pessoal com o grupo que, anos mais tarde, viria a compor a proposta Ensaio.
De toda forma, nesse momento de instabilidade financeira e de falta de perspectivas profissionais Chasin recebeu um convite inesperado. Um ex-aluno da Fesp-SP propôs que ele viajasse a Moçambique, acompanhado da família, com o aval do governo daquele país. Mesmo receoso, sem informações suficientes sobre o que faria em Moçambique, Chasin decidiu que deveria deixar o Brasil. Em solo nacional, o cenário geral era desanimador para si e para a sua família, e em Moçambique talvez conseguisse implementar, pelo menos em parte, o projeto que sempre acalentara. Segundo o próprio Chasin, ele tiraria o melhor do pior: “ir para Moçambique pode significar algo positivo para mim, para minha família, mas também algo positivo para todos, para o projeto”. O que, obviamente, não tornou a partida mais fácil.
Quando chegou a Moçambique, descobriu que viajara com o aval do PCB, o que significava que tinha desembarcado como militante do Partidão, coisa que, evidentemente, não desejava. A viagem a Moçambique, que prometia ser uma alternativa às inviabilidades sofridas no Brasil, tornou-se um autoexílio para Chasin.
Depois de sofrer percalços de várias ordens e de constatar o crescimento de sérios problemas no interior da sociedade moçambicana e na própria Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), as suspeitas de Chasin confirmaram-se: “da miséria não se vai ao socialismo de forma alguma”. E nesse momento veio a anistia, em 1979, oportunidade para que várias pessoas em exílio retornassem ao solo nacional.
Foi então que Tragtenberg entrou em cena mais uma vez: tendo conhecido o pró-reitor de pós-graduação da recém-fundada Universidade Federal da Paraíba (UFPB), indicou Chasin para a criação do curso de pós-graduação de filosofia da instituição. Dadas a resposta positiva do pró-reitor da UFPB e as inviabilidades da realidade moçambicana, Chasin voltou para o Brasil em 1980, 22 meses após sua partida.
Chasin foi recebido por mais de cem pessoas na sala VIP do aeroporto de Congonhas, graças aos esforços de seus colaboradores. Ali, fez um grande discurso, pronunciando-se sobre a situação brasileira à época. Importante dizer que era o período das greves dos metalúrgicos no ABC paulista e, consequentemente, o período da ascensão de muitas lideranças notáveis, como o próprio Luiz Inácio Lula da Silva. Ignorando o afã imediatista da esquerda brasileira acerca dos eventos, Chasin evidenciou a importância do ressurgimento das greves operárias para as mudanças necessárias, mas também denunciou os limites do movimento e a insuficiência da teoria da democracia como valor universal, extremamente difundida nos meios ditos de esquerda nos últimos anos do regime militar.
Chasin divorciou-se de Hanna Profis e, no ano de 1981, uniu-se a Ester Vaisman, com quem teve um filho, nascido em 1985. Durante os 18 anos de vida em comum, desenvolveram atividades conjuntas tanto no meio acadêmico quanto no movimento Ensaio.
A proposta Ensaio
De volta ao Brasil e estabelecido em João Pessoa como professor da UFPB, Chasin reuniu o seu grupo de colaboradores a fim de desenvolver pesquisas e atividades editoriais, cuja simultaneidade era imprescindível, ou seja, a necessária produção teórica deveria ser canalizada por meios editoriais próprios. Diante da miséria intelectual da esquerda brasileira, fazia-se urgente a produção de um pensamento de rigor que recuperasse as principais conquistas teóricas de Marx. Assim nasceu a proposta Ensaio, um movimento de ideias estruturado sobre três fundamentos intimamente articulados: a produção de um ideário rigoroso, baseado na recusa das diversas vertentes do marxismo vulgar e de crítica da nova esquerda, bem como “do capital em suas objetivações materiais e espirituais”; a propagação abrangente desse conhecimento; e a orientação teórico-prática metapolítica, sempre no sentido da emancipação do gênero humano e da exclusão das visões que tomam o capitalismo como ápice ou ponto final das formas de produção e organização do convívio social.
Diante de tais reflexões, em 1984, Chasin tornou-se editor da então recém-fundada Editora Ensaio, na qual desenvolveu amplo conteúdo para a Revista Ensaio e para os Cadernos Ensaio. Importante ressaltar que, em se tratando de um movimento de ideias, teve como uma das metas estimular o debate e, nesse sentido, as páginas da Revista Ensaio, bem como o elenco de publicações da editora, sempre estiveram abertas para contribuições que visassem a compreender os impasses e as possibilidades do mundo contemporâneo. Concebeu, portanto, sua atividade editorial como movimento de ideias com o objetivo de promover, em bases sólidas e rigorosas, um amplo debate ideológico sobre a realidade brasileira e os dilemas teóricos e práticos da esquerda. Nesse contexto, por exemplo, publicou as principais obras do filósofo húngaro István Mészáros, convidado que foi por Chasin para participar do evento em homenagem ao centenário da morte de Karl Marx de 1983, em João Pessoa, Paraíba.
Paralelamente, Chasin articulou um trabalho de pesquisa coletivo de muito fôlego e consistência. Desde pesquisas sobre as inúmeras variantes do pensamento conservador brasileiro (finalmente levando a cabo as suas aspirações à época em que lecionava na Fesp-SP), passando pela investigação da ideologia bonapartista subjacente à última ditadura, até a redescoberta do legado ontológico de Marx.
A editora Ensaio, porém, acabou não alcançando êxito, tanto pela campanha de silêncio perpetrada contra ela por parte dos representantes da analítica paulista e do marxismo vulgar stalinista quanto por inviabilidades de ordem interna. Mas, apesar desse cenário fúnebre, o projeto de construção de um ideário verdadeiramente marxista, capaz de lançar as bases para um autêntico renascimento do marxismo no Brasil, não cessou.
A campanha de difamação na UFPB e a transferência para Minas Gerais
Na Paraíba, Chasin foi presidente da Associação dos Docentes da UFPB (Adufpb) e membro do comando nacional de greve na famosa paralisação de 1980, a primeira grande greve das instituições federais de ensino superior, da qual resultou a criação da carreira de professor de universidades federais e do próprio Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN). Ademais, contribuiu de modo vigoroso para a estruturação da Sociedade de estudos e atividades filosóficas (Seaf) na região Nordeste, entidade que se constituía em um importante fórum de debates à época. Também participou, em 1983, em Diamantina, da criação da Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (Anpof), de cuja diretoria foi membro por duas vezes.
Saliente-se que Chasin também se viu obrigado a deixar seu posto como docente da UFPB após um intenso movimento xenofóbico ocorrido à época, encabeçado pelas velhas oligarquias nordestinas e direcionado contra o predomínio de professores oriundos da região Centro-Sul do país e do exterior, com o objetivo de aumentar a influência da então chamada Paraíba Profunda naquela Universidade. Devido ao seu protagonismo em atividades propriamente acadêmicas desenvolvidas na instituição, bem como junto ao movimento docente, ele se tornou alvo privilegiado de ataques da elite local.
Tendo ficado claro para Chasin que a sua permanência na UFPB seria insuportável, ele aceitou o convite de José de Anchieta Corrêa, então coordenador da pós-graduação, para se transferir para a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Em Belo Horizonte, Chasin criou o grupo de pesquisa Marxologia: Filosofia e Estudos Confluentes a fim de preservar o intercâmbio intelectual e o trabalho coletivo pelos quais tinha tanto apreço. Afinal, ele nunca se viu em uma “carreira solo”, limitado a suas capacidades individuais, ao contrário, sempre buscou agregar indivíduos para atividades a ser desenvolvidas em grupo. Segundo ele, “as individualidades poderiam se expandir humanamente” quando tomassem o outro como possibilidade de incremento de suas próprias forças produtivas individuais, nunca se permanecessem atadas às relações hipócritas de nosso tempo, que levam à instrumentalização do outro para se alcançar finalidades egoístas, meras pequenezas que não passam de um produto consequente das determinações ontológicas do ser social alienado.
Em 1997, depois da inviabilização da editora Ensaio, Chasin tornou-se editor da editora Estudos e Edições Ad Hominem e da revista Ensaios Ad Hominem, dando continuidade ao seu objetivo maior: a construção de um ideário marxista sólido, capaz de formar intelectuais competentes e combativos em matéria de marxismo, isto é, em matéria de compreensão e transformação da realidade sem a perda da sobriedade e do rigor científico no processo.
Até o fim de sua vida, Chasin, acompanhado pelos intelectuais que resistiram à crise da editora Ensaio, dedicou-se ao trabalho coletivo cuja finalidade sempre foi a emancipação humana a partir da perspectiva onímoda do trabalho. Faleceu em 1998, em Belo Horizonte, vítima de um ataque cardíaco fulminante.
Principais contribuições teóricas
1.A determinação ontonegativa da politicidade
Seguindo o itinerário de redescobrir Marx a partir da própria obra marxiana, que seria submetida ao rigor da análise imanente, Chasin foi capaz de expor a evolução do pensamento do teórico alemão acerca da política e do estado. Como se sabe, a tese hegemônica parte da noção de um amálgama originário, apresentando a reflexão marxiana como síntese de três complexos teóricos completamente díspares, a saber, o idealismo alemão, a filosofia política francesa e a economia política. Contrariando tal tese, Chasin rastreou o percurso formativo de Karl Marx a partir de seus próprios textos e pôde, assim, descobrir o caráter absolutamente original da determinação marxiana acerca da politicidade. De seus estudos, Chasin concluiu que até 1843 Marx, acompanhando a tendência neo-hegeliana de sua época, apresentava uma defesa das categorias de estado e de política, tomando aquele como demiurgo da racionalidade e da universalidade humanas e esta como predicado necessário do ser social. Porém, essa posição acompanharia o socialista alemão apenas até 1843, quando, confrontado por problemas socioeconômicos da realidade alemã para os quais não encontrava resposta em seu arsenal teórico daquele momento, viu-se na obrigação de revisar os Princípios de filosofia do direito de Hegel. Nesse mister, debruçou-se sobre a gênese e a necessidade das determinações da sociabilidade. Ao fim de tal empreendimento, Marx viria a concluir o extremo oposto de suas crenças pregressas: a sociedade civil é a esfera do ser social que engendra, no seio de suas contradições, o estado e a política.
Como Chasin descobriu, a politicidade tem em Marx estatuto ontonegativo, visto que está excluída da essência do ser social, é um predicado extrínseco a este, mediação inessencial das relações autênticas do ser social, contingente, engendrada por circunstâncias históricas – propriedade privada, divisão social do trabalho, contradição entre público e privado e entre dominantes e dominados – de uma sociabilidade incapaz de se autogerir. Produto típico de formações sociais radicalmente desunidas pelas diferenças existentes na sociedade civil, esfera determinante e verdadeiramente resolutiva da sociabilidade, a política é um sucedâneo da natureza genérica do ser social, cindida e estranhada, uma comunidade ilusória que faz abstração das particularidades e das diferenças existentes entre os indivíduos no plano da vida material e que emprega contra a sociedade as energias sociais usurpadas dela própria.
Sempre acompanhando a crítica marxiana, Chasin demonstrou também o caráter parcial e transitório da emancipação política, advinda da revolução política, à qual cabem funções mediadoras e tarefas destrutivas. Marx apontava como superior a revolução social, radical, necessariamente metapolítica, ou seja, que se perfaz de um “conjunto de atos de efetivação que não apenas se desembarace de formas particularmente ilegítimas e comprometidas de dominação política, para substituí-las por outras supostas como melhores, mas que vá se desfazendo, desde o princípio, de toda e qualquer politicidade, à medida que se eleva da aparência política à essência social das lutas históricas concretas”. A revolução social ou a emancipação humana é o ato que resgata o humano, o télos final, fundamental para o processo de autoconstituição humana livre.
Quanto ao estado moderno, Marx também demonstrou que está assentado sobre (e legitima) o homem privado da sociedade civil, não podendo, portanto, ser compreendido a partir de si mesmo. Assim, constituiu-se paralelamente ao progresso da moderna indústria, que “desenvolvia, ampliava e intensificava o antagonismo de classe entre o capital e o trabalho”, assumindo mais e mais “o caráter de poder nacional do capital contra o trabalho, de uma força pública organizada para a escravização social, de uma máquina do despotismo de classe” cujo “caráter puramente repressivo” restava cada vez mais nítido. Sendo o estado potência extrassocietária, cuja qualidade de usurpador das energias sociais converte-o em entrave para o desenvolvimento do gênero humano, é necessário superá-lo naquele processo de emancipação engendrado pela revolução social.
Chasin demonstrou, pois, “que foi a arma da crítica ontológica, voltada à objetividade, à busca das origens, da necessidade histórica, dos desdobramentos e das contradições vivas do movimento histórico-social que permitiu a Marx aflorar a verdadeira relação entre politicidade e sociabilidade. Mais: que a determinação ontonegativa da politicidade, descoberta pelo filósofo alemão ainda em seu período formativo, persistiu em toda a sua obra posterior, tendo sido de extrema importância para que ele se voltasse à economia política e realizasse a crítica da anatomia da sociedade civil-burguesa. De forma que “a identificação da determinação ontonegativa da politicidade não é um ponto de partida, mas uma conquista”, o resultado de pesquisas que duraram toda uma vida.
2.A via colonial de entificação do capitalismo
Inspirando-se nas pesquisas marxianas sobre os caminhos específicos de constituição do capitalismo na Europa, Chasin se aprofundou na seguinte máxima: “os diversos estados de diversos países, não obstante a múltipla diversidade das suas formas, têm todos em comum o fato de que assentam no terreno da sociedade burguesa moderna, mais ou menos desenvolvida do ponto de vista capitalista”.
Chasin, então, estudou incessantemente aquilo que Lênin e Lukács chamavam de via prussiana, detectando a diferença específica entre o surgimento do capitalismo em países como Inglaterra e França, por um lado, e Alemanha, por outro. A apreensão dessas especificidades, somada aos esforços teóricos para compreender a realidade brasileira empreendidos por Caio Prado Jr. e outros, levou Chasin a formular a noção de via colonial de entificação do capitalismo, sendo o adjetivo “colonial” aqui relativo a uma relação de subordinação histórico-estrutural. Tal caminho específico de objetivação, processo efetivo das categorias do capital num contexto sócio-histórico determinado (e não um modelo metodológico ou tipo ideal), “em uma de suas determinações mais gerais, significa o estabelecimento da existência societária do capital sem interveniência do processo revolucionário constituinte”. Sem revolução burguesa, os países que chegaram ao capitalismo por esta via desassociam evolução nacional (determinada desde o exterior) de progresso social, progresso técnico de progresso social.
Distinguida pela presença marcante do latifúndio oriundo da empresa colonial, conhece apenas uma industrialização híper-tardia (datada do início do século XX) e que nunca se completa totalmente, cuja realização depende da atuação estatal, já que sua burguesia deixou de cumprir as tarefas que, historicamente, foram empreitadas de suas congêneres nos países de “tipo europeu”. Assim, a burguesia brasileira, contrarrevolucionária e caudatária, enseja uma formação social que nunca rompe com sua condição subordinada aos polos hegemônicos da economia internacional.
A vida colonial também implica que toda inovação que se efetiva ocorre por meio da conciliação entre o novo e o velho, com o recurso ao reformismo pelo alto que exclui as massas de todo o processo modernizador, impossibilitando uma hegemonia burguesa num quadro integracionista e participativo para todas as categorias sociais. No Brasil, a burguesia, que esteve sempre mesquinhamente voltada para seus próprios interesses particulares, nunca pôde efetivar, nem o desejou, o mundo liberal-burguês, podendo, no máximo, moldar civilizadamente o seu conservantismo, deixando manifesta sua “inapetência congênita para a democracia liberal”. Assim, as formas da genuína dominação capitalista no país oscilam e se alternam entre os polos da truculência de classe manifesta, o bonapartismo (forma de dominação burguesa “em tempos de guerra”) e da imposição de classe velada ou semivelada, a autocracia institucionalizada (forma de dominação burguesa “em tempos de paz”). Dessa forma, a extrema desigualdade social brasileira e a ausência de democracia de nossa história não são características devidas ao atraso, mas uma forma de ser e ir sendo do capital, que é atrófico, porque incompleto e incompletável. Como observou, à “via colonial de efetivação do capitalismo é inerente o estrangulamento da potência autorreprodutiva do capital, a limitação acentuada da sua capacidade de reordenação social e a redução drástica da sua força civilizatória”. Donde, a irresolução crônica das questões mais elementares.
Nessas circunstâncias, a atuação da classe representante da perspectiva do trabalho é muito mais complexa, uma vez que não se ergue sobre uma sociabilidade já revolucionada pela burguesia e assentada sobre seus melhores frutos. Até os anos 1990, Chasin assinalava que toda alteração no quadro da miséria brasileira só poderia ser efetivada pelos trabalhadores. A partir da última década do século XX, porém, ele procurou compreender a configuração do capital interno pela referência necessária aos movimentos e inflexões do capital como sistema de produção global, o qual engoliu – sempre de forma subordinada e desigual – o capital atrófico. Os processos econômicos nacionalmente dados e constituídos foram forçados a se adequar a determinados protocolos de universalização da produção capitalista e, com isso, as inviabilidades típicas da via colonial foram repostas em novo patamar de determinação internacional do capital, configurando-se o encerramento do caminho particular brasileiro para o capitalismo.
3. Crítica das sociedades pós-revolucionárias e reafirmação da necessidade de revolução social
Já nos primeiros textos em que tratou do assunto, Chasin afirmava que a tentativa de transição soviética fracassou estruturalmente, resultando em desastre econômico e falência política. Este fracasso se deveu à ausência de condições objetivas de realização do comunismo, visto que as tentativas de revolução ocorreram, em geral, em elos débeis da cadeia capitalista internacional, que eram retardatários em termos de desenvolvimento do capital industrial e tinham uma posição insignificante e subalterna no comércio internacional. Chasin lembrava, concordando com I. Mészáros, a distinção entre capital e capitalismo, e argumentava que naqueles países este último foi desbaratado, mas o primeiro se manteve: foram abolidas as personae do capital, mas persistiram o trabalho assalariado, a regência da lei do valor, a produção de mercadorias etc. Devido à ausência dos necessários pressupostos objetivos, portanto, segundo Chasin, ocorreu naqueles países um processo imprevisto de formação do capital industrial sob gestão político-estatal-partidária. Não se tratava de uma etapa de transição nem da realização incompleta do comunismo, senão de uma nova ordem social que ultrapassou o capitalismo, mas continuou sob regência do capital, ou seja, não ascendeu da revolução política à revolução social. Ele designou esta nova ordem de capital coletivo/não-social: um complexo societário marcado pela apropriação/gestão coletiva/estatal, mas não social, do excedente, realizada por um dispositivo partidário-estatal-administrativo que mantinha a funcionalidade da regência do capital. Esta nova ordem estava tão distante do comunismo, pervertido em nova ideologia de poder, como o stalinismo e o neosstalinismo do saber marxiano, e uma de suas maiores iniquidades era justamente se fazer passar por socialismo.
Na fase final de sua vida, Chasin voltou ao tema das transições revolucionárias, ressaltando o fio vermelho da elaboração marxiana: a emancipação humana. Esta só seria possível se houvesse acesso aos meios de atendimento das necessidades humanas materiais e espirituais renovadas e ampliadas, o que só se atinge com desenvolvimento das forças produtivas, e o exercício da responsabilidade social pela autodeterminação do trabalho.
Retomando uma ideia cara a Marx, Chasin reiterava que a determinação estruturante da sociabilidade vem das forças produtivas, plena potência produtiva de todos os indivíduos, especialmente da ciência. Assim, afirmava, é preciso superar toda tematização revolucionária que tome por base ou anseie pelo retorno a estágios inferiores do desenvolvimento da capacidade de produção material e de realização de si mesmos dos homens. Salientava, dessa forma, os nexos entre crescimento da produção e progresso social e cultural e entre desenvolvimento das forças produtivas e enriquecimento da natureza humana, necessária à individualidade verdadeiramente livre, para cuja efetivação é preciso superar o grande estranhamento atualmente personificado na propriedade privada e na política/estado, cangas anacrônicas insuportáveis.
Chasin salientava que o século XX tomou a ascensão de uma classe social como o objetivo da revolução, e não como um instrumento de que esta se serviria. Mas o socialismo não é o domínio de uma nova classe sobre as demais, é a emancipação universal, humana, a reconciliação do homem com os outros homens. Por isso, em vez de apontar como agente revolucionário uma categoria específica e historicamente ultrapassada, é necessário perscrutar o novo patamar de sociabilidade para encontrar seu produto mais autêntico, a(s) categoria(s) social(is) que seja(m) a(s) mais avançada(s) encarnação(ões) da lógica onímoda do trabalho, e avaliar sua possibilidade de efetivar a revolução social do futuro.
Por visar à emancipação, a revolução social também é incompatível com a constituição de novas formas de dominação política e de um novo estado. Uma revolução significa, pela transformação radical do metabolismo social, retirar os empecilhos da atividade crítico-prática de autoconstrução humano-social e, simultaneamente, colocá-la no centro das preocupações e das ações humanas. Donde, a importância que Chasin avaliava terem os processos de individuação e suas possibilidades, dentro das quais se autoconstitui o ser social. Para ele, a crítica radical-revolucionária deveria, a partir da crítica à individualidade atual, chegar àquela que revoluciona os próprios indivíduos, sempre tomando em conta (e fazendo-lhes a devida crítica) as leis do desenvolvimento do capital em sua fase global.
Chasin reafirmou até o fim da vida a necessidade histórica e a possibilidade objetiva da revolução social, cujo norte são a produção e a apropriação sociais. A reafirmação da revolução social e a redescoberta de Marx, posicionamentos imbricados, é que possibilitariam penetrar radicalmente na realidade atual e fazer a sua crítica radical, aquela que se confirma na prática, pela transformação do mundo.
4. O estatuto ontológico do pensamento marxiano
Outra importante descoberta que Chasin efetuou na teoria marxiana é o seu estatuto ontológico, entendido como “teoria do reconhecimento da objetividade histórico-imanente em suas distintas formas e apresentações (natureza e sociedade)”. De acordo com Chasin, Marx instituiu um novo padrão de cognição e reflexão que tem como base a efetividade histórica das coisas e que toma o ser como é, um complexo categorial, constituído por uma rede de determinações: a objetividade, o caráter relacional e a carência de outros seres.
Conforme o teórico paulistano, Marx aborda os modos de apreensão específica de uma nova forma do ser, o ser social, cujas objetividade e subjetividade são constituídas prático-socialmente. Nessa esfera, Marx superou a exterioridade entre sujeito e objeto: este não só tem sua existência independente da sua apreensão teórica como constitui um campo de possibilidades no qual o sujeito, um ente ativo, pode efetivar sua subjetividade por meio da atividade sensível. Assim, a objetividade e a subjetividade humanas são autopostas, num processo infinito e contraditório que tem na atividade sensível, a produção da vida, seu momento determinante.
Ainda de acordo com Chasin, o estatuto ontológico do pensamento de Marx se explicita também no fato de não tomar o problema do conhecimento da forma tradicional, como exercício de uma subjetividade autônoma, mas de tê-lo reconfigurado radical e completamente, situando-o em seu lugar e termos próprios, isto é, na totalidade do complexo humano-societário. Para efetivar sua subjetividade, o ser social precisa se relacionar com o mundo de forma sensível e de forma ideal, de maneira que o conhecimento é indecomponível da atividade prática, principalmente na realização do trabalho. Nesse processo, o saber constitui a apreensão das próprias coisas, a assimilação dos objetos conhecidos, bem como das características do próprio sujeito do ato cognitivo. Marx reafirma, assim, atestava Chasin, o caráter produzido do mundo sensível e a certeza sensível.
Sobre tais bases, Marx mostrou que as formas de pensamento estão enraizadas na realidade histórica da qual advêm, sem jamais serem reduzidas a mero epifenômeno ou reflexo mecânico da sociabilidade. Tendo nascido de uma determinada necessidade e para atender a dados objetivos, todo conhecimento é interessado. Por outro lado, condições sociais específicas podem favorecer ou embaraçar o exercício apropriado da cientificidade ou da reflexão. A plena estruturação categorial de um objeto exerce papel impulsionador na relação cognitiva, enquanto um caráter germinal ou um desenvolvimento incompleto a obstaculiza ou dificulta. A posição objetiva do pesquisador em dado tempo e lugar históricos é outro elemento que pode propiciar ou estorvar a cognição da realidade material ou espiritual.
Chasin estava em consonância com a afirmação de Marx de que, sendo inúteis os instrumentos e métodos experimentais semelhantes aos das ciências da natureza para estudar o ser social, é preciso substituí-los pela força de abstração, a competência intelectiva de esquadrinhar as coisas de uma forma adequada tanto à natureza dos objetos quanto à do próprio sujeito envolvidos na relação cognitiva. A teoria das abstrações descoberta por Chasin em Marx está centrada na prioridade e regência das coisas, na qual a pesquisa é a busca pela lógica específica do objeto específico. Partindo da destilação de abstrações razoáveis, o método marxiano é o modo de produção de concretos pensados, para o qual é fundamental o enfrentamento do objeto sensível em sua integralidade e sem nenhuma mediação metodológica previamente estabelecida. Visando à reta prospecção de efetividades, Marx revelava, conforme Chasin, a própria lógica das coisas, seus elementos constituintes e sua teia de determinações e relações multiformes, ou seja, sua dialeticidade imanente.