Debate: Problemas da Revolução Brasileira (Francia-Brasil, 1970-1982)

Rodrigo Pezzonia

A revista Debate: Problemas da Revolução Brasileira, nasce a partir das inquietações e análises da conjuntura social, política e econômica brasileiras oriundas de um grupo que convencionou-se chamar Debate, formado por exilados que em fins da década de 1960, início de 1970, encontraram-se exilados em terras francesas.

Lançada em fevereiro de 1970, em Paris, teve vida longeva e alcançou o Brasil pós-Anistia. A Debate encerrou suas atividades no ano de 1982, após 40 números lançados. 

DEBATE: Entre um grupo e uma revista

De início, devemos ter em mente que a revista Debate nada mais é que um veículo de externalização das principais inquietações e estudos que estavam sendo produzidos por membros de um coletivo de exilados no início dos anos 70. Ou seja, ela era só a expressão de algo mais amplo, e que vai além de apenas analisar as condições sociais, políticas, culturais e econômicas brasileiras, mas considerava-se também ser uma ponte entre o país de natureza e o país de acolhida.

Desta forma, Debate foi um grupo que nasceu dos esforços de jovens militantes, liderados pelo filósofo João Quartim de Moraes, em organizar e reunir os exilados brasileiros que estavam na França em fins dos anos de 1960. O coletivo tinha em si a necessidade de não apenas servir como um grupo de estudos, mas também um espaço de convivência; um centro de acolhimento para aqueles que chegavam no exílio neste período de recrudescimento da ditadura militar iniciado com o AI-5, em dezembro de 1968.  

Já o periódico objetivava, sobretudo, apresentar os estudos produzidos pelos participantes do grupo, divulgar o ideário do coletivo, promover o debate de ideias com demais grupos de exilados inseridos em outras vertentes da esquerda, assim como denunciar as ocorrências repressivas no Brasil. 

Entre os que passaram de maneira mais ou menos ativa pelo grupo estavam Michael Löwy, Maria Lygia Quartim de Moraes, Aloysio Nunes, Fernando Gabeira, os irmãos Ricardo e Eduardo Abramovay, José Eli da Veiga, Paulo Sergio Pinheiro, entre tantos outros. 

À época, estes ainda eram jovens militantes/estudantes que não tinham a visibilidade que teriam no futuro, mas que, inseridos em condição de clandestinidade, e depois exílio, não se fazia pertinente a exposição em estarem vinculados a uma revista que projetava anseios da reação à ditadura militar em país estrangeiro, portanto, uma preocupação da Debate era a questão da segurança de seus participantes e debatedores.

Para isso, então a Debate, assim como em maioria os diversos órgãos de imprensa da esquerda exilada, ocultava o nome de seus articuladores sob pseudônimos. Assim, por esse método, Michael Löwy se rebatizaria na revista como Carlos Moura, Fernando Gabeira escreveu sob o nome de F. Gomes, Ricardo Abramovay com os nomes de Pedro Alves e Josué Costa-Saturnino, Maria Lygia Quartim como Joana Almeida, João Quartim de Moraes era Fernando Andrade, e assim por diante.

Os codinomes não eram vistos como algo estritamente necessário para se manter a segurança, mas a própria realidade do órgão político clandestino colocava a necessidade de usá-los. Era uma regra geral na época que, ao olhar dos exilados, não redundaria em uma repressão específica. Em outros países, jornalistas e intelectuais costumavam também escrever sob pseudônimos. Embora que hoje, a partir da abertura de documentos do Ministério das Relações Exteriores e do CIEX (Centro de Informações do Exterior) já podemos aferir que sim, havia monitoramento da repressão do governo militar brasileiro junto aos grupos e indivíduos exilados. 

A formação do grupo se deu por jovens que, em maior ou menor grau, estiveram envolvidos com organizações de resistência armada à ditadura no Brasil, como a VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) e a sua sucessora VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária Palmares), ALN (Aliança Libertadora Nacional), entre outras.

Graças à extensão de sua vida produtiva, a Debate foi capaz de participar de todo o processo evolutivo dos movimentos de resistência, desde os de aspirações armadas, depois se posicionando acerca de vários assuntos espinhosos para a época, como sindicalismo, feminismo e racismo, até se envolver com as discussões referentes à resistência dos hoje chamados “novos movimentos sociais”, que culmina com o processo de anistia e a volta daqueles que ainda estavam em terras estrangeiras, levando então a Debate a firmar bases no Brasil

A Debate iniciou sua produção de maneira muito tímida e artesanal. As capas dos cinco primeiros números eram todas feitas em letra set e seu interior mimeografado. A publicação começou com a pequena tiragem de cem números e subiu rapidamente para algumas centenas. Tiragem esta que pareceu não ter necessitado de maiores mecanismos de promoção para esgotamento, já que, principalmente na França, o número de exilados brasileiros era vultuoso. Portanto, se pensarmos que esta era uma revista publicada na França em língua portuguesa, voltada para um público específico, notaremos que não foi pouco acessada. 

A sua distribuição dava-se por meio de consignação nas livrarias de Paris, sendo que suas edições eram disponibilizadas em livrarias no Quartier Latin, reduto dos exilados brasileiros, e latino-americanos em geral, além da distribuição mão-a-mão em encontros da Anistia Internacional, congressos e qualquer tipo de evento que servisse de divulgação e intervenções do grupo. 

Fora da França, a publicação chegaria por intermédio de exilados residentes em outros países de acolhida e que não necessariamente faziam parte do grupo, sobretudo porque, naquele momento, órgãos como a FBI (Frente Brasileira de Informação) tentavam promover a união dos exilados sediados nos mais diversos países com o objetivo de diminuir as distâncias e aumentar o espaço de ação dos grupos organizados, facilitando o acesso às publicações que eram passadas de mão-em-mão pelos próprios militantes, chegando onde houvesse exilados interessados em se informar sobre o Brasil e no que se fazia a respeito da resistência à ditadura no exterior.

Mas devemos ressaltar que o espaço de produção da Debate não se resumiu a Paris e muito menos à língua portuguesa, já que também fôra editada em espanhol, por integrantes do coletivo que viviam no Chile de Allende, sob o título de Teoria y Practica: Problemas de la Revolución Brasileña

No Chile, os textos publicados quase exclusivamente eram traduções para o espanhol de textos em português lançados na revista publicada na França. Mas diferente da edição francesa, a chilena era esteticamente superior, sobretudo, por ser vinculada a uma editora chilena. E essa facilidade de acesso se dá, por obviedade, pelo momento político propício pelo qual a esquerda, seja chilena ou estrangeira, vivia no Chile do início da década de 1970.  Mas, com o golpe militar de 11 de setembro de 1973, o cenário mudou, a revista, assim como todo o movimento cultural, político e social da esquerda naquele país foi violentamente reprimido e uma nova onda de exilados se fez para a Europa, unificando o coletivo na França. 

No que confere ao suporte ao coletivo na França, a revista também angariou auxílios durante sua existência. A título de exemplo, podemos citar o suporte logístico da tendência marxista da IV Internacional, sob o comando de Michel Raptis, para a edição dos 10 primeiros números do periódico. Lembrando que neste período, Michel Löwy era colaborador da revista, e considerando sua militância trotskista podemos aferir que este foi o motivo da aproximação da Tendência Marxista da IV Internacional com o grupo Debate, mesmo em divergência com o ideário de João Quartim.

Há indícios de que a revista chegou a circular inclusive no Brasil. De acordo com depoimentos, a revista chegava de forma esporádica, sob suporte de microfilme, que vinha escondido nos viajantes brasileiros que trafegavam pela Europa e Brasil. Um exemplo foi o caso que envolveu a hoje atriz Beth Mendes e o jornalista Juca Kfouri (primo de João e Maria Lygia Quartim), assim como o estudante Eduardo Ribeiro Ralston, que foram flagrados com exemplares microfilmados da revista no Brasil levando, inclusive, à prisão e processo contra Ralston. 

A Debate acaba por passar por momentos distintos em sua trajetória. No início, seu objetivo era, sobretudo, debater questões relacionadas à luta armada que, para a revista naquele início de década de 1970 – quando os movimentos de reação armada à ditadura no Brasil estavam sob fogo cerrado, mas ainda estruturados – era algo dado, objetivo e irreversível, portanto, fazia-se necessário debater caminhos para a revolução a partir de contribuições teóricas das organizações envolvidas. Portanto, pode-se encontrar nas páginas da revista documentos da VAR-Palmares, POC, ALN, entre outras organizações.

Assim sendo, é por óbvio que o grupo Debate tinha como premissa o apoio à Luta Armada no Brasil. Sobre isso, é importante ressaltar também que o grupo tinha certa predisposição em - dado o fato de Quartim ter sua militância no Brasil atrelada à VPR - defender uma visão que promovia a luta de massas em detrimento do que se chamava de “vanguardismo” na prática de resistência à ditadura. Ou seja, o grupo Debate criticava o posicionamento de parte das organizações em negar às massas a condição de agente principal revolucionário, inclusive apontando esta atitude como sendo este dogma o motivo do isolamento e desorganização das organizações armadas brasileiras.

Mas, com o tempo, a dura realidade vislumbradas nas consecutivas derrotas no Brasil fez com que o grupo iniciasse a mudança de seu posicionamento e um processo autocrítico tornou-se necessário. Desta feita, o periódico forjado por militantes oriundos da luta armada arrefece os ânimos tornando-se um veículo de “apoio crítico” ao modelo armado de reação. Sendo que com a iminente dizimação da militância envolvida na guerrilha no Brasil, ocorrida sobretudo entre os anos de 1970 e 1972, culminando com os eventos no Chile em 1973, o grupo (com pensamento refletido na revista) transformou-se em mesa de debate e crítica radical ao modelo armado de reação. 

Daí por diante, os trabalhos publicados na Debate referentes à luta armada cada vez mais tiveram teor negativo. Em 1973, em seu décimo segundo número, a Debate publicou a sua “Plataforma Política”, documento que externa um antigo objetivo do grupo, que é a de unificar a esquerda marxista-leninista do Brasil em um único Partido Comunista, o que vigorou chamar-se de União Comunista.

O foco do grupo neste período também muda. É a partir de 1974 que os ares no Brasil começam a mudar, e isso reflete-se também dentro do grupo. O MDB – vitorioso nas eleições daquele ano – mesmo que rechaçado enquanto possibilidade ser um veículo de vanguarda para os comunistas, é debatido na Debate, o que, de certa forma, mostra o interesse em se distanciar de vez da revolução armada e se alinha ao que ficou conhecido como “via democrática”. 

Temas como Sindicalismo e Movimento Estudantil voltam a ter fôlego. Assim como assuntos antes periféricos à esquerda brasileira também começam a ser debatidos nas páginas da revista, como o Racismo e Feminismo. E isso se dá pela influência dos temas caros à esquerda europeia no cotidiano desses militantes brasileiros. 

Com a Anistia, em 1979, o grupo retorna e passa a publicar a revista no Brasil. 

Em 1980, com a reestruturação partidária que tomava conta do cenário político brasileiro, dissidências são criadas dentro do grupo, onde parte – incluindo seu criador – decide se alinhar ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), enquanto outra parte para o recém renomeado Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), o que faz com que a revista se descaracterize das ideias originais a partir de então, tornando-se uma espécie de porta-voz do PMDB. Com tamanhas divergências a publicação não consegue sustentar-se e encerra suas atividades no ano de 1982, após 12 anos de atividade e em um momento em que os eleitores iriam as urnas pela primeira vez em duas décadas para escolher seus governadores e deputados estaduais. 

Referências 

Depoimentos

Breno Raigorodsky (São Paulo – 26/08/2010)

Eduardo Abramovay (Vídeo Conferência, 25/05/2010)

João Carlos Kfouri Quartim de Moraes (São Paulo, 15/01/2010)

Lia Zatz (São Paulo, 26/08/2010)

Maria Lygia Quartim de Moraes (Campinas, 30/04/2010)

Ricardo Abramovay (Vídeo Conferência, 21/01/2011)

Michael Löwy (Depoimento por Correio Eletrônico, 14/03/2010)

Coleção: DEBATE: Problemas da Revolução Brasileira (1970-1982). IN: AEL – Arquivo Edgar Leurenroth. UNICAMP, Campinas.

Coleção: Brasil Nunca Mais. Processo 373. Vol. I e II, 1971.

Pezzonia, R. Revolução em DEBATE: O grupo DEBATE, o exílio e a luta armada no Brasil (1970-1974). Dissertação de Mestrado: IFCH-UNICAMP, 2011.

Rollemberg, D. Debate no Exílio: Em Busca da Renovação. IN: História do Marxismo no Brasil. Vol. VI, Campinas: Editora da UNICAMP, 2007.